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Apostila complementar módulo 10. O processo de emancipação brasileiro.


Apostila complementar módulo 10. O processo de emancipação brasileiro.
Escrito por Marco Lamarão *
Para além da insatisfação crescente de diversos setores da sociedade com a condição de colônia, alguns episódios ocorridos na Europa irão determinar os rumos do processo de independência do Brasil. As guerras Napoleônicas e a organização dos ingleses para combate-lo leva o general Frances a decretar o bloqueio continental, ou seja, a proibição de qualquer país do continente em manter relações comerciais na Europa. Devido a sua proeminência marítima, os Ingleses não tardaram em responder e decretaram o Bloqueio Marítimo impedindo qualquer comércio pelo mar com os franceses e bloqueando o acesso destes as suas colônias. Além disso, os Ingleses pressionavam Portugal a se posicionarem em seu favor. Para além da influencia econômica dos Ingleses na econômica portuguesa, os portugueses necessitavam do apoio britânico para manter a integridade do seu império, tendo em vista que ele é majoritariamente ultramarino, em outras, palavras, um Império que se conecta pelo mar não poderia ter contra si a marinha mais potente daquela época.
Muito se fala da vinda de D. João VI para o Brasil e nisto, ressaltam que D. João só o faz quando os franceses se posicionam em sua fronteira com a Espanha, tendo sido esta já dominada pelos francos. Contudo, pouco se fala dos navios ingleses posicionados na entrada do porto de Lisboa, em posição de ataque, prestes a bombardear a capital lusitana caso D. João capitulasse frente à pressão francesa. Outro ponto deste momento histórico é afirmar que se tratou de uma fuga atabalhoada, as pressas, sem nenhum planejamento, tese da qual discordamos. Desde o final do século XVII D. Rodrigo Coutinho, influente membro da corte, e Ministro de D. João passa a defender- em reuniões com a rainha e o Príncipe Regente - a transferência da sede do governo para a América, tendo em vista a maior disponibilidade de terras e recursos naturais e a ausência de uma potencia militar que pudesse rivalizar com Portugal nas fronteiras do Brasil. Ainda, do Brasil seria mais fácil dar origem a um processo de tomada das colônias dos países europeus e uma expansão territorial. É certo que a decisão de D. João fora de fato, de última hora, e que por isso muitos dos pertences da família real, inclusive parte do acervo de livros da Biblioteca Real, ficaram pelo caminho. Contudo, temos que concordar, não é tarefa das mais fáceis transportar (naquelas condições tecnológicas e de forma repentina), cerca de 15 mil integrantes da corte que vieram para o Brasil. A possibilidade da vinda para o Brasil tanto já era debatida que, em 22 de outubro de 1807, Portugal assina com a Inglaterra a Convenção Secreta de Londres onde concorda em conceder diversos benefícios comerciais aos ingleses e em troca estes garantiriam uma transferência da corte para o Brasil em segurança.
Chegando ao Brasil, ainda em Salvador, no dia 28 de janeiro de 1808, o Príncipe Regente assina o Tratado de Abertura dos Portos às nações amigas (entenda-se: Inglaterra), terminando, em grande parte com o pacto colonial então vigente. Com esta medida, D. João buscava garantir o fornecimento dos bens e mercadorias necessárias para a suntuosa vida da corte no Brasil, tendo em vista que nem a indústria lusitana, nem a indústria brasileira teriam condições de suprir com estas demandas. Ainda pôs fim, neste mesmo ano,  ao alvará de 1785 que impedia a criação de fábricas brasileiras que concorressem com as de Portugal. Dando continuidade a sua política expansionista, bem como visando retaliar os inimigos europeus, o Imperador trata de anexar a Guiana Francesa ao território brasileiro, bem como a Banda Oriental da Colônia do Sacramento.
A instalação da corte no Rio de Janeiro necessitou de alguns esforços. O primeiro dele diz respeito às moradias que seriam utilizadas por esta: as casas mais vistosas que o príncipe regente escolhia para corte, colocava-se na porta o símbolo P.R. (príncipe regente) e dava-se um prazo determinado para aquela família desalojar o imóvel. O povo, sempre sarcástico batizou o PR como “ponha-se na rua”. Além disso, diversas obras de urbanismos foram feitas no Rio, muitas delas inspiradas em  Paris. Aves e outros animais e floras de Europa e Ásia, foram introduzidas no Brasil. Um pouco antes do final do século o café tinha sido introduzido por Francisco Palheta, com D. João trazia-se os pombos para dar um ar “europeu” a nova capital do Império. Não só isso, toda uma estrutura administrativa, burocrática, de defesa, teve de ser trazida para a nova capital.
Além disso, era necessário dar a cidade toda uma estrutura para que funcionasse uma vida cultural, do tipo que a corte apreciava. Fundou-se a Biblioteca Real (atualmente Nacional), permitiu-se a imprensa (ainda restrita a oficial), abriu-se o Teatro São João, criou-se o Banco do Brasil, a Quinta da Boa Vista, investiu-se nas artes através das missões artísticas francesas, a vinda de músicos, o Jardim Botânico, a Real Academia Militar, a Escola de Medicina, entre outros.
Em 1810 ainda se submetendo cada vez mais aos interesses britânicos, a Coroa assina o Tratado de Aliança e Amizade que permitia que os produtos britânicos adentrassem no Brasil pagando um imposto menor do que de outros países (produtos portugueses, inclusive). Em 1815 a situação criada em 1808 tomou forma jurídica e o Brasil foi elevado a condição de Reino Unido, buscava-se impedir movimentos de independencia, como também de precipitar o retorno da corte a Portugal tendo em vista que muitos dos seus nobres já participavam de vantajosas redes locais de comércio e poder.  Com a morte do D. Maria, em 1816, o príncipe regente se torna, efetivamente, Rei que utilizava de um antigo artifício para conquista a simpatia da elite local, a distribuição de cargos e títulos de nobreza.
A revolução Pernambucana de 1817 deixa claro que setores ainda permanecem descontentes com a subordinação a Portugal e continuam lutando contra estes laços. A efetiva participação dos padres e de militares neste levante demonstra que, cada vez mais, a independência do Brasil é um desejo de amplos setores, inclusive aqueles que, teoricamente, seriam mais fiéis a Portugal, como a Igreja e o exército. Chegando a declarar uma república em Pernambuco.
Também em Portugal, revoltas eclodiam contra a situação formada, as elites comerciais portuguesas, já livres de Napoleão exigiam o retorno de D. João e da corte a Lisboa, bem como o retorno dos exclusivos comerciais do pacto colonial, em outros termos, a recolonização do Brasil. Devido a condição de Reino Unido, deputados brasileiros passam a fazer parte da corte lusitana, contudo a pressão pela recolonização era tão grande que estes pouco puderam fazer. Estas demandas fazem eclodir, em 1820, a Revolta Liberal do Porto que adiciona, as reivindicações já ditas, a necessidade de o rei reconhecer uma Constituição. Sob pena de perder o trono português, D. João cede em parte para os revoltosos, aceita a constituição e retorna a Portugal, contudo nem todos da corte retornam, permanece no Brasil o seu filho mais velho, D. Pedro. Além disso, não aceita a situação da recolonização brasileira.
As pressões da corte não cessam e exigem o retorno do Príncipe a Portugal. Contudo, já esta sendo articulado no seio da elite brasileira, um abaixo assinado de notáveis personalidades exigindo a permanência do príncipe no Brasil. Assim, buscava-se centralizar em D. Pedro a tarefa da emancipação garantindo vantagens para a elite por dois lados: garantia a independência, impedia que projetos mais populares tivessem qualquer viabilidade, mantendo a unidade territorial, a concentração de rendas e terras e a escravidão, sob um regime monárquico. É neste contexto que da sacada do Paço Imperial, D. Pedro afirma, no dia 9 de janeiro de 1822: se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico. Este episódio de desobediência as Cortes sinalizava claramente que o processo de ruptura ia ganhando força e ficou conhecido como O dia do fico.  Ainda naquele ano, no dia 4 de maio, D. Pedro decreta-se o “cumpra-se”, ou seja, qualquer determinação emanada pelas cortes portuguesas deveria ser autorizada pelo Príncipe Regente para ter qualquer validade no Brasil. As cortes portuguesas ameaçavam o príncipe com a invasão militar.
Ao passo que vai se formando no Brasil, dois grupos políticos distintos, o partido português, que pretendia manter ainda certa relação com Portugal e o partido Brasileiro que defendia a independência do Brasil. Deste ultimo partido participará os irmãos Andradas, importantes articuladores deste processo. No  dia 07 de setembro de 1822, diante a iminente invasão militar das cortes portuguesas, D. Pedro declara a independência do Brasil.
Diferentemente do que a história oficial tenta nos dizer, o movimento pela independência não teve nada de muito romântico ou heroico. Tratou-se, em ultima instancia, em um rearranjo político que favorecesse as elites aqui instaladas. O que imperou neste processo foi o conservadorismo de nossas elites. Só para se ter uma ideia, o Brasil foi o único país que assumiu a forma monárquica de governo, considerada mais conservadora. Ainda, foi mantida a escravidão, portanto a independência significou muito pouco para os escravos viventes no Brasil. As imagens retratadas da nossa independência buscam, novamente, romantizar este processo, dando ares de heroísmo e alterando características com o objetivo de tornar mais “agradável” a história da nossa independência. Coube e cabe a pergunta: independência para quem?

*Professor do Instituto Federal Fluminense- Campus Macaé - Bacharel em História/UFF, Mestre e Doutor em educação/UFRJ.

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